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Governos latino-americanos da “Maré Rosa” criticam Trump na ONU enquanto colaboram com o Pentágono

Publicado originalmente em inglês em 26 de setembro de 2025

A Assembleia Geral da ONU deste ano teve algumas críticas ao presidente dos EUA, Donald Trump, por parte de um grupo de presidentes latino-americanos associados à chamada Maré Rosa.

Tropas dos EUA e da América Latina realizam exercícios conjuntos de guerra urbana no acampamento militar Lejeune, no estado da Carolina do Norte. [Photo: @Southcom]

O discurso fascista de Trump em 23 de setembro, no qual ele se gabou de “usar o poder supremo das Forças Armadas dos Estados Unidos” para explodir pequenos barcos e assassinar civis no sul do Caribe, foi feito entre discursos dos chamados chefes de Estado latino-americanos de esquerda, cuja resposta a esses atos de assassinato gratuito variou entre a covardia e a crítica mais direta.

O Brasil tradicionalmente fala primeiro no debate anual da Assembleia Geral, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), precedeu Trump no púlpito de mármore verde do órgão.

Lula defendeu a manutenção da América Latina como uma “zona de paz”. Ele acusou que “o uso de força letal em situações que não constituem conflitos armados é equivalente a executar pessoas sem julgamento”. Lula denunciou o uso de “medidas unilaterais e arbitrárias contra nossas instituições e nossa economia”, em referência às sanções e tarifas impostas pelos EUA devido ao julgamento do ex-presidente fascista Jair Bolsonaro e seus cúmplices na tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023. Ele ainda criticou os “falsos profetas e oligarcas que exploram o medo e monetizam o ódio”. Porém, as palavras “Donald Trump” e “imperialismo dos EUA” não foram ditas pelo presidente brasileiro.

O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, foi menos diplomático. Ele denunciou a guerra de Washington contra as drogas, declarando que “não é para impedir que as drogas cheguem aos Estados Unidos, é para dominar os povos do sul”. Ele insistiu que aqueles assassinados nos ataques com mísseis dos EUA na Venezuela não eram “terroristas” ou membros de gangues, mas migrantes e “caribenhos, possivelmente colombianos, e se fossem colombianos, pedindo desculpas àqueles que dominam as Nações Unidas, um processo criminal deveria ser aberto contra os funcionários dos Estados Unidos responsáveis e contra o maior funcionário que deu a ordem, Donald Trump”. Petro continuou traçando paralelos entre Trump e Hitler. A delegação dos EUA saiu da sala apenas cinco minutos após o início do discurso de Petro.

Por sua vez, o presidente chileno Gabriel Boric, em fim de mandato, chegou a pedir o julgamento de Netanyahu por genocídio no tribunal internacional de justiça, mas não proferiu uma única palavra criticando a agressão dos EUA mais perto de casa, além de declarar de forma ineficaz – e falsa – que a América Latina é “uma região sem guerras”. Ele fez uma crítica indireta a Trump, sem mencionar seu nome, condenando aqueles que “afirmaram neste mesmo púlpito, hoje, que não existe aquecimento global. Isso não é uma opinião, é uma mentira.”

No entanto, mesmo as críticas mais veementes a Trump, ao militarismo e à agressão dos EUA feitas no púlpito da ONU são desmentidas pela prática desses mesmos governos.

Na véspera da Assembleia Geral da ONU, o Pentágono enviou uma esquadra para as águas venezuelanas, e Trump postou vídeos de ataques com mísseis contra pequenas embarcações, gabando-se do que equivale a assassinatos extrajudiciais, ou seja, crimes de guerra. Enquanto isso, os militares do Brasil, Colômbia, Chile e uma dezena de outros países latino-americanos enviaram suas forças para o exercício naval UNITAS 2025, que são realizados com a mesma Marinha dos EUA que está cometendo esses assassinatos criminosos de civis latino-americanos desarmados.

O UNITAS 2025 foi lançado em 15 de setembro, duas semanas após o primeiro ataque com mísseis dos EUA no Caribe ter matado 11 civis depois que seu barco mudou de rumo de volta para a Venezuela e no mesmo dia em que Trump anunciou um segundo ataque que, segundo relatos, causou pelo menos mais três mortes. Quatro dias depois, um terceiro barco foi atingido, matando mais três pessoas.

Este ano, o UNITAS reuniu cerca de 8 mil militares dos EUA e da América Latina em duas fases de jogos de guerra, uma de porto e outra de mar. A fase de mar incluiu afundar um navio, bem como desembarques anfíbios e treinamento em guerra urbana no acampamento Lejeune do Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA.

Os exercícios UNITAS são realizados desde 1960, quando foram lançados pela primeira vez como uma demonstração de força da Guerra Fria por Washington e seus regimes fantoches de direita na América Latina contra a “influência soviética” e o que era visto como uma ameaça crescente de revolução socialista na região.

Hoje, a operação faz parte do que o Pentágono proclama abertamente ser uma tentativa de reunir os governos e militares da América Latina por trás dos preparativos do imperialismo americano para a guerra com a China.

O exercício é apenas um dos vários realizados pelo Pentágono na região, que no ano passado incluíram o UNITAS 2024, sediado no Chile, o GUARDIAN em Honduras e Costa Rica, o TRADEWINDS em Barbados, o RESOLUTE SENTINEL no Peru, o FUERZAS COMANDO no Panamá, o FUSED RESPONSE na Colômbia, o PANAMAX no quartel-general do Comando Sul dos Estados Unidos (USSOUTHCOM) e a fase II do PANAMAX ALPHA no Panamá.

Esses exercícios, juntamente com cursos oferecidos pelos militares dos EUA a oficiais latino-americanos e vendas de armas, têm como objetivo obter o favorecimento dos establishments militares que, décadas após a queda da maioria das ditaduras militares da região, continuam a existir como “Estados dentro do Estado”.

As realidades econômicas por trás da percepção de Washington da China como uma ameaça estratégica aos interesses do imperialismo americano no que há muito considerava com desdém como seu “quintal” são bem conhecidas. O comércio da China com a região expandiu-se de US$ 14,62 bilhões em 2001 para US$ 483 bilhões em 2022, tornando-a o principal parceiro comercial de praticamente todos os países ao sul do Panamá. O investimento estrangeiro direto não financeiro por empresas sediadas na China disparou de menos de US$ 1 bilhão em 2001 para um total acumulado de US$ 193,2 bilhões no final de 2022, grande parte dele em instalações estratégicas que vão desde portos e redes elétricas até infraestrutura 5G. As instituições financeiras chinesas também se tornaram grandes credoras da região.

“O tempo não está a nosso favor”

Em depoimento perante um painel do Congresso dos EUA em abril, o almirante Alvin Holsey, chefe do Comando Sul dos EUA, fez um alerta. Os ganhos da China na região “ameaçam a segurança, a estabilidade e a soberania de todas as nações em nossa vizinhança comum”, disse ele. “O tempo não está a nosso favor. O Hemisfério Ocidental está sofrendo com a erosão do capitalismo democrático.”

A América Latina, declarou o almirante, está “na linha de frente de uma disputa decisiva e urgente para definir o futuro do nosso mundo. A China está atacando os interesses dos EUA em todos os teatros... comprometendo a liberdade de manobra, acesso e influência em nossos vizinhos mais próximos”. Ele continuou descrevendo os interesses predatórios que impulsionam a política dos EUA, observando que a região é “lar de recursos naturais abundantes, incluindo 20% das reservas mundiais de petróleo, 25% dos metais estratégicos, 30% da área florestal, 31% das áreas de pesca e 32% dos recursos renováveis de água doce”. Não é por acaso que o atual foco da agressão dos EUA, a Venezuela, possui as maiores reservas de petróleo bruto do planeta.

Exercícios como o UNITAS, juntamente com programas de educação e treinamento militar, são projetados, disse Holsey, para criar uma “rede de parceiros com ideias semelhantes, contribuindo, em última análise, para aumentar o acesso, a colaboração e a cooperação durante operações em tempo de paz e de contingência”.

Um dos principais participantes do UNITAS 2022 e, presumivelmente, um membro-chave dos “parceiros com ideias semelhantes” do Pentágono foi o chefe da Marinha brasileira, almirante Almir Garnier Santos. Na época, ele disse à mídia que apreciava os jogos de guerra por proporcionarem uma “sensação reconfortante de amizade e união, o que me faz ter ainda mais fé no potencial de nossas marinhas, como instrumentos para promover ... paz, segurança e prosperidade para todos”.

Há apenas duas semanas, o almirante Garnier foi condenado a 24 anos de prisão após ser considerado culpado, juntamente com Bolsonaro e outros altos oficiais militares e de inteligência, de conspirar para realizar um golpe violento e assassinar o presidente eleito, Lula, e seu vice-presidente, Geraldo Alckmin, juntamente com então presidente do Tribunal Superior, Alexandre de Moraes. Ao mesmo tempo em que Garnier elogiava o UNITAS 2022 por promover “paz, segurança e prosperidade”, ele fazia uma promessa incondicional de colocar as tropas sob seu comando à disposição dos golpistas.

A evolução de Garnier não é uma anomalia. Praticamente todos os principais líderes que realizaram golpes militares e lideraram ditaduras sangrentas na América Latina durante a segunda metade do século XX foram treinados pelos militares dos EUA na Escola das Américas, primeiro na Zona do Canal do Panamá e depois em Fort Benning, no estado da Geórgia (EUA).

Figuras supostamente de esquerda, como Lula e Boric, atuaram como fiadores dos acordos podres feitos com ditaduras militares para restaurar o regime civil em troca da concessão de anistias e autonomia efetivas aos militares. Tanto as forças armadas quanto os partidos burgueses que fizeram esses acordos estavam unidos em sua determinação de conter uma onda de revoltas revolucionárias que abalou os regimes golpistas em seus alicerces.

Enquanto Washington se prepara para a guerra com a China, buscando compensar a perda de sua hegemonia econômica global através do uso da força militar, não há dúvida de que recorrerá à sua rede de oficiais militares latino-americanos de direita, treinados e subornados pelos EUA, para solidificar seu controle férreo sobre o “próprio quintal” do imperialismo americano.

As observações críticas feitas por alguns presidentes latino-americanos na Assembleia Geral da ONU foram uma tentativa de amenizar a hostilidade e a raiva esmagadoras das amplas massas trabalhadoras em relação às políticas de agressão econômica e militar que o governo Trump vem adotando na região.

No entanto, são necessários mais do que discursos na ONU de chefes de governo subservientes ao imperialismo americano para que a América Latina se salve de uma nova rodada de ditaduras militares sangrentas e guerras imperialistas. Para isso, somente um movimento revolucionário independente da classe trabalhadora será suficiente. Os trabalhadores da região devem se unir e forjar uma unidade indestrutível com seus irmãos e irmãs de classe nos EUA e internacionalmente na luta para derrubar o regime capitalista, dissolver as forças armadas apoiadas pelos EUA e reconstruir a sociedade sobre bases socialistas.

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