Publicado originalmente em inglês em 14 de novembro de 2025
Na segunda-feira, 10 de novembro, começou oficialmente a 30ª edição da Conferência das Partes (COP30) da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC, na sigla em inglês) em Belém, capital do estado do Pará, na região Amazônica brasileira.
Em um mundo marcado por eventos climáticos extremos cada vez mais intensos e frequentes causados pelo aquecimento global, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Partido dos Trabalhadores – PT) dedicou imensos recursos e atenção política à realização da conferência com o objetivo de mostrar a região Amazônica e sua importância ambiental e climática ao mundo.
O discurso otimista do governo do PT está em total contradição com a realidade. Suas próprias políticas estão impulsionando o desmatamento e o uso de combustíveis fósseis, com um impacto particularmente prejudicial sobre as populações indígenas e ribeirinhas da região.
Lula e os líderes mundiais reunidos em Belém não farão mais do que lançar banalidades e propostas vazias, sem abordar a verdadeira causa da crise climática e ambiental do planeta: o sistema capitalista de lucro. Tal debilidade e hipocrisia teriam feito da COP30 uma mera repetição de suas edições anteriores.
Mas a COP30 está sendo realizada em condições de colapso da ordem capitalista do pós-guerra. Enquanto as potências imperialistas estão envolvidas em uma guerra tarifária e se preparam ativamente para uma nova guerra mundial, as classes dominantes capitalistas estão abandonando qualquer pretensão de combater as mudanças climáticas.
Notavelmente ausentes da conferência deste ano estão os líderes da China e dos Estados Unidos, os dois principais emissores de gases de efeito estufa do mundo, bem como os de outros países grandes emissores, como Índia e Rússia.
Falando na Cúpula de Líderes na quinta-feira passada, o secretário-geral da ONU, António Guterres, apresentou um cenário ameaçador caso as emissões de gases de efeito estufa não sejam reduzidas drasticamente. Direcionando-se ao presidente Lula, Guterres disse que “A dura realidade é que não conseguimos garantir que permaneceremos abaixo de 1,5°C”, como foi determinado pelo Acordo de Paris de 2015.
Ele disse que as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, na sigla em inglês) entregues até agora e revisadas a cada cinco anos pelos países signatários do Acordo de Paris, “representam um progresso, mas ... Mesmo que fossem totalmente implementadas, elas nos colocariam em um caminho bem acima dos 2˚ [Celsius] de aquecimento global” até o final deste século.
Até segunda-feira, 110 países, representando 71% das emissões globais de gases de efeito estufa, tinham entregue suas NDCs. Ausentes da lista estão quatro dos dez maiores emissores do mundo, incluindo a Índia (3º) e os EUA (2º). A decisão do presidente americano Donald Trump, um negacionista do aquecimento global, de retirar os EUA do Acordo de Paris e avançar um amplo programa de desregulação ambiental deve resultar ainda no aumento significativo das emissões americanas.
Segundo a UNFCCC, caso as NDCs apresentadas até agora sejam totalmente atingidas, as emissões de gases de efeitos estufa devem cair cerca de 12% até 2035 comparadas aos níveis de 2019, um valor muito abaixo dos 60% necessários para limitar o aquecimento global em 1,5°C até o final do século.
Guterres listou “consequências dramáticas” caso isso não aconteça, empurrando “os ecossistemas para pontos de inflexão irreversíveis”, expondo “bilhões de pessoas a condições inviáveis” e “amplificando as ameaças à paz e à segurança”. Denunciando que essa situação representa um “fracasso moral” e que “o que ainda falta é coragem política” para revertê-la, ele exortou que “não é mais hora de negociações. É hora de implementação, implementação, implementação.”
Nas mesmas linhas, o presidente Lula declarou no discurso de abertura da conferência que esta “será a COP da verdade”. Ele conclamou “os líderes mundiais a acelerar a ação climática” para “superar a dependência dos combustíveis fósseis, parar e reverter o desmatamento e mobilizar recursos para esses fins”.
Lula também criticou os gastos trilionários em guerras em detrimento da pequena fração alocada para combater os efeitos das mudanças climáticas, enfatizando que não há saída para ambos os problemas sem o “multilateralismo”. Nesse sentido, ele propôs a “criação de um Conselho do Clima, vinculado à Assembleia Geral da ONU”.
A ideia de que os perigos iminentes de uma guerra mundial e de uma catástrofe ambiental que a humanidade enfrenta podem ser resolvidos através de uma restauração pacífica do “multilateralismo” por meio da ONU é uma grande ilusão. Essas crises têm suas raízes nas contradições essenciais do sistema capitalista – entre a produção globalizada e o sistema ultrapassado de Estados nacionais, bem como entre os interesses do lucro privado e as necessidades sociais das massas globais.
Como fiel representante da burguesia brasileira e internacional, Lula defende que o capitalismo pode ser renovado e beneficiar todas as classes por meio de uma “transição justa” para uma nova economia sustentável. Por “justa”, ele se refere a um cenário imaginário em que os países capitalistas avançados se comprometem com uma “economia verde”, permitindo que os chamados países em desenvolvimento, como o Brasil, desenvolvam suas economias nacionais.
A completa falência dessa perspectiva “multipolar”, que ignora a realidade básica do capitalismo imperialista, é exposta de forma gráfica pela ausência na COP30 dos lderes dos Estados Unidos e da China, principais parceiros comerciais do Brasil e principais potências entre as quais Lula tenta equilibrar-se. Além disso, Lula participa do evento como o único presidente dos países originais do BRICS, que deveriam desempenhar o papel de liderança na suposta “ordem multipolar” emergente.
A busca desesperada de Lula por canais viáveis para seu programa nacionalista burguês na ordem imperialista em ruínas também encontra expressão na promoção criminosa de figuras como o reacionário presidente francês Emmanuel Macron, uma das principais estrelas da COP30. Macron – que está empenhado em construir um regime ditatorial na França para esmagar a resistência em massa da classe trabalhadora ao seu programa de austeridade social brutal e guerra contra a Rússia – é criminosamente apresentado por Lula como um opositor “verde” e democrático do “obscurantismo”.
Essa lógica de classe de Lula foi expressa na abertura da Cúpula de Líderes, em 6 de novembro, quando o presidente brasileiro lançou com alarde o Fundo de Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês). Tendo já arrecadado 5,5 bilhões de dólares de países como a França, Noruega e Indonésia, ele será um fundo de investimento gerido pelo Banco Mundial. De acordo com Lula, o TFFF “vai gerar rentabilidade para o investidor e parte da rentabilidade vai financiar países que mantêm floresta em pé”.
“A floresta não é mercadoria”
Essa proposta foi amplamente criticada por organizações e ativistas ambientais. A Campanha Global por Justiça Climática (DCJ, na sigla em inglês) declarou em seu site que se trata de uma “falsa solução” que “reflete a mesma lógica extrativista e orientada pelo lucro que criou a crise climática”. Em uma das várias declarações de ativistas ambientais contra a proposta no site da DCJ, o Cacique Jonas Mura, da Aldeia Gavião Real, declarou: “O governo [Lula] fala em salvar as florestas, mas o que estão fazendo com esse tal TFFF é colocar um preço em nossas vidas. A floresta não é mercadoria.”
Essa é apenas uma das últimas críticas às políticas ambientais do governo Lula, que desde que chegou ao poder em 2023 tem realizado um amplo ataque capitalista aos trabalhadores e pobres no Brasil.
Em março de 2025, um editorial na prestigiada revista Science, assinado pelos cientistas Philip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), e Walter Leal Filho, da Universidade de Ciências Aplicadas de Hamburgo, na Alemanha, denunciou que, “Como anfitrião da conferência [COP30], o Brasil não está dando o exemplo”. Segundo eles, o governo Lula não está implementando políticas para “deter o desmatamento”, uma das principais causas da emissão de gs carbônico no Brasil, e “facilitar a rápida eliminação mundial da queima de combustíveis fósseis”.
O editorial diz que “praticamente todos os órgãos do governo do país estão promovendo atividades que aumentam as emissões de gases de efeito estufa”, dando os seguintes três exemplos:
- “O Ministério dos Transportes pretende abrir grandes áreas da floresta Amazônica à entrada de desmatadores através do trecho central de 408 km da rodovia BR-319 (Manaus-Porto Velho) e estradas secundárias associadas”;
- “O Ministério da Agricultura subsidia a transformação de pastagens em plantações de soja, o que é um importante fator de desmatamento”;
- “O Ministério de Minas e Energia está abrindo novos campos de petróleo e gás na floresta Amazônica e em áreas em alto-mar, incluindo seu plano de perfuração na foz do rio Amazonas, perto do local da próxima COP”.
Desde a publicação do editorial na Science, a pavimentação da BR-319 e a exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas têm avançado. No início de setembro, Lula declarou com convicção: “Vamos fazer a BR-319, eu posso te garantir”. Já no final de outubro, quando a Petrobras iniciou a perfuração de um poço exploratório, ele defendeu a exploração de petróleo na foz do rio Amazonas, afirmando com desdém: “Não quero ser líder ambiental, nunca reivindiquei isso.”
As críticas ao governo Lula também vieram de importantes lideranças indígenas brasileiras. Uma reportagem de 4 de novembro do site Amazônia Real ouviu algumas delas depois de Lula visitar comunidades indígenas e ribeirinhas de Santarém, no Pará, na região do Baixo Rio Tapajós, em 2 de novembro.
Alessandra Korap Munduruku denunciou a privatização de mais de 3 mil quilômetros de trechos navegáveis de quatro importantes rios da região Amazônica pelo governo Lula, uma medida que “atende aos interesses do agronegócio e de outros setores econômicos”, como as gigantes internacionais Cargill e Bunge. Ela disse que Lula está “está vendendo a Amazônia” e a “entregando … para os países ricos”.
O cacique-geral das 28 aldeias do povo Tupinambá, também na região do Baixo Rio Tapajós, Gilson Tupinambá, disse à Amazônia Real que “não aceitamos que [Lula] use a imagem da Amazônia, dos povos indígenas para dizer que está tudo bem”. Ele também criticou o presidente por não ter recebido lideranças indígenas, explicando “que o desinteresse de Lula em dialogar com as lideranças da etnia tem a ver com o projeto da Ferrogrão”, uma ferrovia de quase mil quilômetros que ajudará a escoar a produção do agronegócio brasileiro para exportação e cortará inúmeras comunidades indígenas.
O que Lula está fazendo neste seu terceiro mandato é uma continuação dos ataques dos governos do PT entre 2003 e 2016, particularmente na área ambiental. Críticas semelhantes às de hoje foram lançadas amplamente à ex-presidente petista Dilma Rousseff (2011-2016).
Durantes seus governos, a construção das hidrelétricas de Jirau (2009-2013) e Belo Monte (2011-2016), na região Amazônica, também foram alvos de protestos de comunidades indígenas e ribeirinhas, que denunciaram seus impactos ambientais e sociais, incluindo remoções forçadas e ameaças às terras indígenas. Inúmeras greves de operários da construção civil também foram reportadas na construção dessas usinas.
Essa inescapável lógica de classe também se desenvolveu antes da COP 30. No final de setembro, uma poderosa greve de operários da construção civil parou parte das obras da COP30 por 10 dias em Belém e outras duas cidades próximas. Denunciando o investimento bilionário do governo Lula em grandes empresas da construção civil e um suposto legado que as obras deixariam para a população, os trabalhadores exigiram um aumento salarial e outros benefícios “padrão COP30”.
A destruição contínua da região Amazônica não terá apenas um impacto local, mas também será sentida em todo o Brasil e internacionalmente. Cientistas têm alertado que a floresta Amazônica está muito próxima do ponto de não retorno, um limiar crítico além do qual a floresta poderá se degradar irreversivelmente nas próximas décadas, com graves impactos em grandes centros urbanos a milhares de quilômetros de distância. O editorial da Science mencionado anteriormente chama a atenção para
... o impacto catastrófico para o Brasil se o aumento da temperatura escapar do controle humano. O Brasil perderia sua floresta Amazônica, incluindo o papel vital que ela desempenha na reciclagem da água que abastece a Grande São Paulo, a quarta maior cidade do mundo... a região semiárida densamente povoada do Nordeste brasileiro se tornaria um deserto, e as grandes populações ao longo da costa atlântica do Brasil ficariam expostas a tempestades e níveis do mar cada vez mais altos.
Para impedir que isso aconteça, os trabalhadores do Brasil e do mundo devem desafiar as falsas ilusões avançadas por Lula e outros líderes capitalistas. Assim como todos os grandes problemas do mundo, a crise climática é uma questão de classe que só poderá ser resolvida com o desenvolvimento de um movimento socialista internacional da classe trabalhadora contra a sua causa, o sistema capitalista global.
Leia mais
- Lula beija mão de Trump enquanto EUA preparam guerra contra América Latina
- Um ano após enchente histórica, Rio Grande do Sul continua enfrentando negligência governamental
- A classe trabalhadora, a luta contra a barbárie capitalista e a construção do Partido Mundial da Revolução Socialista (parte dois)
