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Protestos em massa no Brasil contra anistia à tentativa de golpe fascista de Bolsonaro

Protesto em São Paulo contra a anistia e a PEC da Blindagem em 21 de setembro. [Photo: Paulo Pinto/Agência Brasil]

O Brasil testemunhou enormes protestos em todo o país no domingo, 21 de setembro, contra os esforços da classe política para reabilitar politicamente e anular a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro e seus co-conspiradores militares e civis pela tentativa de golpe fascista de 8 de Janeiro de 2023.

Os protestos foram motivados pela aprovação, na semana passada, de duas medidas na Câmara dos Deputados exigidas pela oposição política fascista associada a Bolsonaro como parte do que considera ser um “Pacote de Pacificação Nacional”.

Na quarta-feira passada, a Câmara aprovou por 311 votos a 163 a urgência de um projeto de lei que concede anistia aos condenados pela tentativa de golpe de 8 de Janeiro de 2023. No mesmo dia, aprovou um projeto de emenda constitucional apelidado de PEC da Blindagem, que proíbe a abertura de processos criminais contra parlamentares e presidentes de partidos sem autorização do Congresso Nacional.

A oposição em massa a essas medidas está sendo impulsionada pela percepção, entre amplos setores da população brasileira, de que o sistema político burguês corrupto está fazendo um acordo criminoso pelas costas do povo para preservar o poder das forças expostas por conspirar para derrubar a democracia e reimpor uma ditadura militar. Esses sentimentos foram amplamente expressos nos protestos de domingo.

Nos atos, que ocorreram em praticamente todas as grandes cidades do país, os manifestantes seguravam cartazes chamando o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, de “inimigo do povo” e gritavam “Sem anistia e sem perdão, quero ver Bolsonaro na prisão”.

Em São Paulo e no Rio de Janeiro, onde ocorreram os maiores protestos, mais de 40 mil pessoas foram às ruas. Artistas renomados tiveram um papel de destaque tanto na promoção dos protestos quanto na realização de discursos e apresentações musicais, o que também foi característico dos protestos históricos contra a ditadura militar (1964-1985) apoiada pelos Estados Unidos no Brasil.

O ato no Rio contou com a participação de figuras lendárias da música popular brasileira, como Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil, todos presos e exilados durante a ditadura e agora com mais de 80 anos. Enquanto os manifestantes gritavam “Sem anistia!” e “Viva a democracia!”, eles cantavam a música “Cálice”, composta por Gil e Chico, um hino da luta contra a ditadura militar.

A participação massiva nos atos superou as expectativas do Partido dos Trabalhadores (PT), do pseudoesquerdista Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e de sindicatos e movimentos sociais controlados por eles que inicialmente convocaram as mobilizações. 

No que foram considerados os maiores atos de esquerda dos últimos anos, eles atraíram espontaneamente um público muito maior do que o das manifestações do Dia da Independência do Brasil, em 7 de setembro, convocadas por essas mesmas forças políticas. No 7 de Setembro, elas buscaram subordinar toda a oposição política e social à defesa da “soberania nacional” contra as tarifas de Trump e à chamada “pauta popular” que o governo do presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (PT) busca aprovar no Congresso para tentar reverter seu índice de aprovação decrescente. Entre essas pautas estão a isenção de imposto de renda para quem ganha até R$ 5.000 por mês e o fim da escala 6x1.

Mais importante ainda, os atos expressaram uma insatisfação social, econômica e política generalizada no Brasil, que também tem impulsionado protestos de massas em todo o mundo. Os últimos anos também viram um número crescente de greves, particularmente do funcionalismo público federal contra as políticas de austeridade do governo Lula.

Diante desse barril de pólvora social e incapaz de oferecer qualquer solução real para os problemas enfrentados pela classe trabalhadora brasileira, toda a classe dominante brasileira viu os protestos de domingo com preocupação. Ela teme que esses protestos se tornem a faísca para um movimento massivo vindo de baixo, por fora do controle da esquerda nominal e dos sindicatos que controla, que ameace o frágil regime burguês no Brasil, do qual o PT é um pilar fundamental.

Contra essa possibilidade, o PT está fazendo tudo o que pode para impedir que a insatisfação crescente da população brasileira e a consequente explosão de protestos e greves saiam do controle. Para isso, ele está tentando desviar esse movimento para pressionar o Congresso a colocar sua “ pauta popular” em discussão e formar uma nova “frente ampla” burguesa para as eleições gerais do ano que vem.

As negociações palacianas dentro do desacreditado Congresso brasileiro na última semana também expuseram amplamente o PT, que correu para minimizar os danos e evitar que a indignação popular se voltasse contra o governo Lula. Na quinta-feira, o Estado de S. Paulo informou que Lula defendeu em uma reunião com partidos aliados uma “anistia light”, que inclui a possibilidade de redução de penas para os condenados pela tentativa de golpe em troca de um melhor lugar para negociar suas pautas no Congresso.

Numa manobra igualmente incriminadora, doze deputados do PT (cerca de 20% da bancada do partido na Câmara) votaram a favor da PEC da Blindagem na quarta-feira. Em vários atos pelo Brasil, eles foram denunciados como os supostos “traidores do PT”.

Explicando os bastidores espúrios das negociações na Câmara, Gleide Andrade, secretária de finanças do PT, declarou na quinta-feira: “A primeira coisa que nós temos que ser é justos com a história e com as pessoas. Os doze que votaram [a favor da PEC da Blindagem], votaram porque seguiram uma orientação. E no meio do caminho, alguns, quando viram a repercussão nas redes [sociais], voltaram para trás. Esses doze estão sendo crucificados.”

Ela ainda disse: “acompanhei absolutamente tudo, e o presidente nacional do PT [Edinho Silva] disse isso. Então, tinha sim, um acordo. Por causa do rompimento desse acordo, a Câmara votou uma anistia ampla e irrestrita.”

Apesar disso, o PT e a pseudoesquerda ao seu redor viram os atos de domingo como um “ponto de inflexão” para o governo Lula, ao mesmo tempo que aproveitaram para deliberadamente canalizá-los para a política burguesa. O próprio presidente petista saudou os protestos de domingo no X, escrevendo que “Estou do lado do povo brasileiro” e que o “O Congresso Nacional deve se concentrar em medidas que tragam benefícios para o povo brasileiro”.

No mesmo sentido, o líder do PSOL, Guilherme Boulos, disse no protesto em São Paulo que “hoje é um dia histórico”, pois “a esquerda brasileira retomou o protagonismo nas ruas”. Ele também exigiu que o presidente da Câmara coloque em discussão nesta semana a “pauta popular” do governo Lula.

Expondo para onde quer desviar os protestos, Boulos disse que um dos resultados da “retomada das ruas pelo povo brasileiro” será “eleger Luiz Inácio Lula da Silva no ano que vem presidente do Brasil”. O outro, segundo ele, é “eleger a maior bancada de esquerda do congresso brasileiro. Fazer o serviço completo, eleger o Lula e ganhar no Congresso.”

Com as tarifas de Trump contra o Brasil, o PT e o PSOL estão também tentando forjar uma articulação falida entre as “pautas populares” e a defesa reacionária do nacionalismo. Boulos repetiu que nos atos de domingo estava presente “quem defende de verdade o Brasil. Nós somos os verdadeiros patriotas.” Em São Paulo, o ato contou ainda com uma enorme bandeira do Brasil, em contraposição à bandeira americana presente no ato de apoiadores de Bolsonaro no 7 de Setembro.

A defesa do nacionalismo, no entanto, não tem nada a ver com a defesa dos interesses da classe trabalhadora brasileira, que compartilha interesses econômicos e políticos comuns com a classe trabalhadora internacional, inclusive nos Estados Unidos.

Com sua defesa da soberania nacional, o PT, o PSOL e os sindicatos que controlam estão promovendo os interesses do capitalismo brasileiro. Sua resposta à crise é promover a “unidade nacional” da burguesia brasileira e uma solução “multipolar” falida para a crise do imperialismo. Como o PT deixou claro em um documento do final de agosto de seu Diretório Nacional:

O enfrentamento ao imperialismo, aliado à extrema direita bolsonarista, ao fascismo e ao neoliberalismo deve ocorrer em duas frentes complementares: por meio de mobilizações populares, nas ruas e nas redes, e pela construção de amplas alianças nacionais e internacionais, articuladas também no plano institucional e diplomático. …

Diante desse quadro, é imperativo colocar no centro da nossa atuação a construção de uma ampla aliança em defesa da soberania e da democracia, sob a liderança do Presidente Lula. Em cada estado do Brasil, atuaremos para formar coligações potentes que fortaleçam o projeto de reeleição do presidente Lula, garantam maioria no Senado e na Câmara, e sustentem o projeto de desenvolvimento nacional que já está em curso.

A falência dessa perspectiva não poderia ser mais clara. Em nível nacional, essa frente ampla inclui, como já deixou claro o presidente do PT, Edinho Silva, os mesmos partidos que votaram em massa a favor da PEC da Blindagem e do projeto de lei da anistia. Internacionalmente, o PT quer fortalecer sua relação com governos imperialistas na Europa e o Partido Democrata nos EUA, cujas políticas de austeridade, repressão e apoio ao genocídio em Gaza têm aberto o caminho para a extrema direita.

Como a declaração de sábado do Partido Socialista pela Igualdade (SEP) nos EUA enfatizou, “A classe trabalhadora não pode defender seus empregos e interesses apoiando o nacionalismo econômico, que é totalmente reacionário em uma era de integração global da produção”.

A promoção pelo PT de uma ilusão nacionalista reacionária é certamente uma garantia de derrota. Em todo o mundo, a profunda corrupção do sistema político burguês, o aprofundamento das políticas de austeridade e o impulso da classe dominante em direção à ditadura e à guerra são características fundamentais de um sistema capitalista global marcado por crises crescentes.

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